Fonte e Imagens: Revista Galileu
O governo brasileiro acaba de dar o primeiro passo na direção de consolidar alguma relevância para o país no efervescente mercado espacial. No último mês, foi assinado nos Estados Unidos um documento que viabiliza o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Chamado oficialmente de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), o texto cria as condições para que comecemos a atuar conjuntamente com os EUA em Alcântara — e abre todo um leque de possibilidades para o Brasil.
Como esclarece a Agência Espacial Brasileira (AEB), o AST nada mais é do que um compromisso firmado entre os dois países para proteger tecnologias e patentes de ambas as partes. Acontece que 80% dos satélites e objetos espaciais do mundo todo têm componentes norte-americanos. Sem o AST, o Brasil estava de mãos atadas e impossibilitado de atuar em um mercado que movimenta US$ 5 bilhões anuais com o lançamento de satélites.
O acordo é um importante primeiro passo e pode trazer muitos ganhos para o Brasil. Mas sua implementação ainda é incerta. Ela deve ser aprovada pelo Congresso — e ele já barrou a mesma proposta em 2000. Duas décadas depois, já se ouvem os mesmos argumentos que justificaram a primeira rejeição: de que o projeto fere a soberania nacional.
Listamos abaixo os pontos que mais aparecem nas discussões a respeito de Alcântara e o acordo recém-firmado com os EUA para ajudar a entender o que é mito e o que é verdade.
Alcântara é uma das bases mais bem localizadas do mundo.
É verdade. O grande motivo para isso é o fato de estar a dois graus da Linha do Equador: a velocidade de rotação da Terra ali é maior que em latitudes mais elevadas. A diferença é pequena, mas esse empurrãozinho facilita a vida dos foguetes — e resulta em economia para quem os lança. Estima-se que, partindo de Alcântara, um veículo lançador gaste até 30% menos combustível. Outros fatores como as condições climáticas do Nordeste, vulcões e terremotos inexistentes, a baixa densidade demográfica e a possibilidade de lançar satélites em órbitas equatoriais e polares fazem do CLA uma das melhores bases do planeta.
Acordo assinado em 2000 com os EUA feria a soberania nacional.
Esse foi o entendimento do Congresso Nacional daquela época, que barrou o avanço da primeira tentativa de fechar acordo com os norte-americanos. Inclusive, o então deputado Jair Bolsonaro foi um dos parlamentares que votaram contra a medida. A restrição do acesso de brasileiros a áreas da base em uso pelos EUA gerou polêmica: foi interpretada como um golpe à soberania nacional. Mas na verdade é uma prática comum em centros de lançamento, para evitar espionagem e garantir que a propriedade intelectual dos países envolvidos seja respeitada. No final das contas, AST é de natureza técnica, não política.
Tragédia de 2002 que matou 21 técnicos foi sabotagem dos EUA.
Mito. Segundo o relatório final da investigação, elaborado pelo Comando da Aeronáutica, a causa do trágico acidente foi o "acionamento intempestivo" de uma peça que acionava um dos três motores do VLS — foguete orbital que estava em desenvolvimento pelo programa espacial brasileiro. Ou seja: o motor ligou três dias antes do lançamento devido a uma falha elétrica. Não houve sabotagem, de acordo com a comissão do caso. Causas foram a falta de recursos, desorganização, improviso e pressa, combinação que costuma ser fatal nessa área. Nossas ambições espaciais entraram em coma após a tragédia de Alcântara.
Governos do PT arquivaram as negociações sobre Alcântara.
Verdade: as gestões de Lula e de Dilma deixaram as negociações para o uso comercial do CLA totalmente de lado. Em vez disso, apostaram em uma parceria com a Ucrânia que não gerou bons frutos. Em 2006, a Alcântara Cyclone Space (ACS), uma empresa pública binacional, foi criada para comercializar o lançamento de satélites em Alcântara através do foguete ucraniano Cyclone-4. A previsão para o início das operações era 2010, só que o veículo nunca ficou pronto. O acordo que custou meio bilhão de reais aos cofres públicos foi rompido em 2015 e, no governo Temer, a conversa com os EUA foi retomada.
Comments